Na cidade de Picos fazer cultura é muito difícil, não temos apoio do poder público. Às vezes me sinto isolado, é triste falar isso.
<p align="justify"><strong>U</strong>ma pessoa em busca constante do conhecimento e da expansão do mesmo. Essa é uma das características do jornalista, poeta, cineasta e escritor Douglas Nunes. Natural da cidade de Picos, ainda criança se mudou com a família para o Estado de São Paulo onde, juntamente com outros jovens estudantes, participou do movimento contra a ditadura militar. Fugindo do regime retornou a cidade natal e depois volta a São Paulo para continuar a batalha de fazer algo. Agora, morando em Picos esse amante da literatura contribui intensamente para o resgate e construção da cultura picoense. </p>
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<p><strong>Portal O Povo: </strong>Como foi a infância do escritor, poeta, jornalista e cineasta Douglas Nunes?</p>
<p><strong>Douglas Nunes: "</strong>Nasci na rua Coronel Francisco Santos e quando eu tinha dois anos de idade meu pai, Alberto de Deus Nunes, empreendeu viagem para o estado de São Paulo. O motivo dessa viagem foi porque ele era professor, poeta, escritor e coletor federal do município de Picos e, como autoridade, cabia a ele assinar os boletins de aprovação dos alunos. Nessa época, dos boletins entregues ao meu pai, ele verificou que alguns não mereciam aprovação e se recusou a assinar isso lhe trouxe dissabores. Fizeram uma revolução muito grande aqui na cidade (fato esse que milhares de pessoas desconhecem) dezenas de estudantes e professores fizeram uma manifestação na Rua Santo Antônio com caixão simbolizando a morte do meu pai e essa procissão seguiu adiante, apesar dos protestos do padre Davi, que pedia a retirada da cruz que seguia à frente; eu tenho um depoimento assinado por ele em que relata todo esse episódio, algo fantástico para aquele tempo. Aqui em Picos nunca houve uma manifestação estudantil tão grande como aquela da década de 1950 e isso contra o meu pai. Levaram o caixão com velas para a frente da nossa casa. Minha mãe colocava a gente para dormir em baixo de uma mesa devido os estilhaços de pedradas que a casa recebia. E no final, meu pai muito triste, desgostoso, com todo aquele acontecimento pediu uma remoção e essa transferência veio para a cidade de São Simão-SP e depois para Jaú-SP, onde vivi minha infância."</p>
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<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Qual a contribuição de uma pessoa envolvida na arte, como o escritor Alberto de Deus Nunes, na formação do senhor?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Meu pai foi tudo para mim. Meu pai tinha uma biblioteca em casa e lá eu conheci a História Universal de Cesare Cantú e muitos outros livros, minha formação foi toda através de meu pai, ele transmitia tudo para os filhos. Meu pai nunca frequentou uma sala de aula, no entanto, foi coletor federal, escritor, poeta e jornalista."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Recentemente a ALERP eternizou o nome do pai do senhor, escritor Alberto de Deus Nunes, através de uma Galeria. Qual a importância dessa galeria para a cultura picoense?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "É de uma importância muito grande, não porque sou filho do autor. Mas, porque Alberto de Deus Nunes foi um dos primeiros autores, escritores e poetas picoenses, então, acho justa essa homenagem e ele contribuiu diretamente para a construção dessa galeria."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Seu pai pode ser considerado uma pessoa além do seu tempo. Qual o maior legado dele para o senhor?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Sim, meu pai tinha visão de futuro. Ele escreveu um artigo onde falava da construção de uma ferrovia ligando Teresina-petrolina passando por Picos, fez esse registro. Quanto ao legado, a obra que ele mais legou à minha pessoa foi a sua forma serena de educação. Era uma educação amiga e aconchegante, quando ele abria a boca todos nós nos preparávamos porque sabíamos que ele ia falar alguma coisa de grandeza que nós iríamos aprender, absorvemos isso na alma."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Ainda estudante, o escritor Douglas Nunes participou de manifestações estudantis em São Paulo contra a ditadura militar. Como foi engajar numa luta que sofria fortes represálias por parte do governo?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "A palavra que me vem imediatamente é medo. Medo de ser preso, medo de ser morto. Porque a ditadura militar não se limitava simplesmente a prender, mas torturava. Geralmente pelo simples prazer e não em busca de informações, eles tinham aquela liberdade e a praticavam. Eu participei de uma manifestação na Praça Ramos de Azevedo-Viaduto do Chá, também, em 1972 tivemos uma participação na Avenida Tiradentes, onde milhares de estudantes sentados na Avenida manifestavam contra a prisão de alguns colegas. Nessa época a ditadura ainda não era tão rígida, começavam as manifestações de estudantes e operários. E eu me infiltrei no meio dos estudantes e gritávamos, todos de punhos levantados <strong><em>Ou ver a Pátria Livre, ou morrer pelo Brasil</em></strong>! E nisso veio toda aquela tropa de soldados da Força Pública (Polícia Militar) contra os estudantes com espada em punho, cassetete de pau e borracha no ombro de todos os manifestantes, corremos todos desesperados até o viaduto 9 de junho. Mas isso nos unia, os estudantes lutavam unidos contra a ditadura militar."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Além dessa união, o jovem daquela época levantava uma bandeira de luta e ia as ruas, diferente da atualidade. Que relação o senhor faz da juventude que lutou contra o regime militar e a juventude atual?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "A juventude daquele tempo era atuante, tinha participação. Era coesa, se sintonizava no pensamento de liberdade e, também, de revolta contra o regime militar. A ditadura tirava a liberdade dos jovens se reunirem em calçadas, praças ou até mesmo em casas para conversarem sobre esporte, amores, bailes eram logo reprimidos por uma guarnição. Isso fez com que os jovens despertassem e se inquietassem com aquela situação. Eles se perguntavam: "- O que está acontecendo com o Brasil que não podemos nem conversar? Que liberdade é essa? Até as casas são invadidas sem nenhum mandato judicial?" <br />
Esses foram um dos motivos para que os jovens se manifestassem contra aquela forma de governo. Não podíamos ler uma publicação sobre o assassinato de um colega no Jornal O Estado de São Paulo, por exemplo, porque o jornal era censurado e por isso publicava receitas de bolos. Tudo era censurado e naquela época queríamos viver o conceito de liberdade. Hoje é diferente, tem a internet com informações mais abrangentes e o jovem ‘grita’ na internet, não tem mais aquela participação física tão intensa, aquela união que faz com que o homem cresça com o conceito de liberdade."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Escritor o senhor atuou na imprensa Oficial do Estado de São Paulo, especificamente em quê?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Foi de 1969 a 1972, eu era bloquista. Trabalhava no departamento de informação do Diário Oficial, atuava como bloquista na confecção de livros e revistas para o Diário."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Quando decidiu voltar a Picos e por quê?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "A primeira vez que estive em Picos foi em 1968, vim com minha mãe, eu tinha 16 anos, meu pai ainda era vivo. E ao chegar a Picos, que eu desconhecia minha terra, descobri um novo mundo. O Piauí era outro mundo, completamente diferente. A comida era diferente, as pessoas se comunicavam diferente, as pessoas andavam de jumento, urubu no meio da rua isso a gente não via em São Paulo. Era minha terra, Picos-Piauí, eu me encantei por esse lugar e jurei a minha mãe: "-eu vou voltar para o Piauí!". Voltei em 1974 foragido da Força Pública, o regime militar estava me perseguindo e me vi obrigado a fugir, muitos de meus colegas fugiram para Santos outros para Jundiaí e eu consegui dinheiro com meu irmão para vir para o Piauí. Permaneci aqui seis meses e trabalhei na Empresa Sondotécnica Engenharia de Solos Ltda, no asfaltamento da BR-316. Eu tinha lembranças de São Paulo, recordava as correrias, brigas eu era atuante e queria participar, não queria ficar apenas escondido, como se fosse uma sombra. Mas, era necessário me esconder, não era covardia era para sobreviver e depois continuar a batalha."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Aqui em Picos o senhor atuou em alguns meios de comunicação, inclusive fundou um jornal. Qual a relação do escritor Douglas Nunes com a imprensa?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Em 1980 trabalhei na Rádio Difusora de Picos como locutor, aprendiz de comunicador e aprendi muita coisa, a Difusora me abriu as portas das informações necessárias para transmitir ao público. Em 2001 fundei o Jornal dos Bairros, esse jornal contou com alguns profissionais, foi um momento muito bom, eu queria transmitir notícias que não se limitavam apenas a Picos apesar do nome."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Como é ser escritor na cidade de Picos?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> (risos) "Ser escritor na cidade de Picos... Imagine o meu pai o quanto ele deveria sofrer, sem nenhum apoio. Hoje nós vivemos em pleno século XXI e a cidade de Picos ainda engatinha em relação a cultura, as artes. Nós vemos tantos artistas que sobrevivem as custas deles mesmos, com a força a vontade de querer crescer, de fazer alguma coisa de fazer a diferença. Na cidade de Picos fazer cultura é muito difícil, às vezes me sinto isolado, é triste falar isso mas, a gente vai sobrevivendo."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>O que contribui para o desinteresse dos jovens picoenses em relação à cultura?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "A falta de locais de manifestações artísticas é apenas um fator. Se o poder público não dá atenção nenhuma à cultura, em nossa cidade nós temos pessoas que dão esse valor e sobrevivem. Esse descaso aumenta a força de vontade nos atores e artistas picoenses de produzir mais em detrimento do poder público que nada faz. Quando procuramos o poder público parar nos auxiliar eles imaginam que a gente está em busca para interesse próprio e não é! Queremos fazer algo em prol da sociedade, do desenvolvimento cultural da nossa cidade... É um absurdo esse abandono cultural que vivemos, porém, acredito que como existem pessoas que produzem individualmente vamos sobrepujar isso."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Quantos livros o senhor já escreveu?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> Livros não publicados: "Duas Direções em Quatro Retornos", "Veredas, a Saga de um Poeta" e "O Poço das Almas". Publicados: "Elos da Poesia e O mais longo de meus dias, romance. Estou atualmente trabalhando na biografia: "O vale das Falenas", é uma biografia do meu pai. Se vivo ele faria 100 anos agora em abril, nessa ocasião quero publicar esse livro em sua homenagem."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>O senhor tem informações se a Casa da Cultura tem algum projeto de incentivo artístico-cultural?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Na pessoa da secretária Lúcia Monteiro ela busca realizar alguma coisa, ela tem interesse mas, não dispõe de recursos."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>O senhor publica em alguns sites artigos que abordam o cotidiano picoense; há projetos para o lançamento de uma obra que contemple todos esses artigos?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Eu penso em juntar esses Artigos e publicar uma obra que contenha todos eles, eu não conto nenhuma mentira neles, eu não posso mentir, apenas relato fatos nosso tempo."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Que relação o senhor faz entre a juventude picoense e as produções artístico-culturais?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "A universidade é uma das responsáveis por essa disseminação. A UFPI realiza eventos dessa natureza, como o FECULT o qual fui convidado a participar. É muito bom estar no meio dos jovens passando essas ideias, são universitários que querem aprender e acredito que eles devem se basear nas palavras de pessoas mais experientes."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>O senhor já produziu e dirigiu um filme, qual o sentimento de produzir um longa-metragem?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Eu sempre quis fazer coisas, não sei se isso é diferente ou não. Eu sempre quis ser escritor, lá em casa meu pai tinha uma vasta biblioteca, seria triste demais ter aquele conhecimento ao alcance e ignorá-lo. Um dos primeiros livros que li foi O menino do engenho, de José Lins do Rêgo e outros como A ilha do tesouro. Li a Bíblia várias vezes e tantos mais. Além do sonho de escritor queria produzir um filme, mas me faltava câmera. Depois de muito tempo me surgiu a oportunidade, a vida é assim: os anos vão passando e você vai achando que amanhã pode fazer e às vezes acaba não fazendo. Quando me surgiu a oportunidade, com uma câmera na mão e a idéia produzi o filme <em>Intolerância e Paixão</em>. Eu já tinha a história, me baseei no romance<em> O mais longo dos meus dias</em>, baseado em fatos reais de um caso que ocorreu em Picos em 1981, em que narra a paixão de um casal de jovens que sofre com a intolerância dos irmãos da jovem e também do assédio das autoridades, que talvez com reminiscências da ditadura praticavam em Picos a tortura. E o filme fala da tortura de um preso e da intolerância dos irmãos. Levei isso para as telas com vários atores e cenário picoenses, agora estou produzindo o filme <em>O Poço das Almas</em>, baseado em um livro de minha autoria que tem o mesmo nome." </p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>No lançamento do filme Intolerância e Paixão qual o sentimento do senhor em ver uma produção exibida nas telas?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Ah, é uma alegria muito grande e ao mesmo tempo lágrimas, é um misto. Você presencia seu sonho realizado e o público todo assistindo aquele seu trabalho e a crítica também. A manifestação do povo agrada, seja falando: "Douglas gostei do filme!" ou "Douglas não gostei de tal parte!". Isso eu chamo de coragem, produzir e lançar ao público, milhares de pessoas vão conhecer o seu íntimo."</p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Algumas pessoas dizem que Picos é uma cidade sem identidade cultural, o senhor concorda com essa afirmação?</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Em parte concordo, se perguntarmos aos picoenses quem foram Hilda Policarpo, Enói Nunes Santos, Alberto de Deus Nunes acredito que 90% não saberão responder. Porém, sou um otimista e acredito que isso vai mudar. A ALERP disponibiliza fotografias e obras desses autores. Temos que resgatar os autores do passado, não podemos deixar esse vazio do nosso passado. Só podemos compreender o presente conhecendo o passado e, assim, sabermos os passos que daremos para o futuro." </p>
<p align="justify"><strong>Portal O Povo: </strong>Deixa uma mensagem para os amantes das artes.</p>
<p align="justify"><strong>Douglas Nunes:</strong> "Que eles leiam, leiam muito. Meu sonho desde criança era ser escritor. Concretizei esse sonho porque tive vontade. Acho que a vontade está em primeiro lugar, quando temos vontade temos 50% da conquista. Ainda jovem recebi o conselho de uma pessoa mais idosa: "<em>Não escreva nada. Leia, leia muito que um dia você vai escrever!"</em> e eu segui esse conselho. O conselho que dou hoje aos jovens é o mesmo, saia do computador, do facebook, procure um livro e vá lê, quando encontrar uma palavra desconhecida anote e procure saber o significado. Leia, somente assim você conseguirá alguma coisa, a não ser que você já tem esse carisma todo como meu pai que nunca estudou mas, lia e escrevia frequentemente, chegou a confeccionar um dicionário escrevendo à mão.</p>