Geral
REPORTAGEM ESPECIAL
Exército apura desvio de arma nos quartéis
A revista ÉPOCA, que circula esta semana, ouviu militares que conhecem por dentro o funcionamento da máfia, que teria a participação também de oficiais.
Rodrigo Rangel - 02/03/2009

<div align="justify">Passava pouco das 11 horas da Quarta-feira de Cinzas quando um tiro de pistola 9 mil&iacute;metros ecoou no corredor do 3&ordm; andar do pr&eacute;dio do Comando do Ex&eacute;rcito, em plena Esplanada dos Minist&eacute;rios, em Bras&iacute;lia. Sobre o piso de madeira, caiu o corpo do subtenente Jos&eacute; Ronaldo Amorim, 46 anos completados na semana anterior. Para a Pol&iacute;cia Civil do Distrito Federal, chamada minutos depois, n&atilde;o h&aacute; d&uacute;vida: foi suic&iacute;dio. O subtenente Amorim, como era conhecido, disparou contra a pr&oacute;pria cabe&ccedil;a, com a arma oficial que usava em servi&ccedil;o.</div> <div align="justify"> <p>&Agrave; primeira vista, poderia parecer mais um entre os recorrentes casos de suic&iacute;dio nas fileiras do Ex&eacute;rcito. Mas n&atilde;o era. O subtenente Amorim respondia a um inqu&eacute;rito policial militar explosivo. A investiga&ccedil;&atilde;o, que corre em segredo, destina-se a mapear o funcionamento de uma m&aacute;fia, com personagens de dentro e de fora do Ex&eacute;rcito, montada para desviar armas que deveriam estar bem protegidas nos dep&oacute;sitos da corpora&ccedil;&atilde;o.</p> <p>As armas desviadas, em sua maioria, s&atilde;o aquelas recolhidas nas campanhas de desarmamento promovidas pelos poderes p&uacute;blicos. Por lei, elas devem ser entregues ao Ex&eacute;rcito para ser destru&iacute;das. O problema &eacute; que nem todas s&atilde;o inutilizadas. A m&aacute;fia em atua&ccedil;&atilde;o na caserna arquitetou um eficiente esquema para retirar armas dali e repass&aacute;-las para o mercado negro, em troca de dinheiro. &Eacute; um desvio duplamente perigoso. As armas deveriam sair de circula&ccedil;&atilde;o, contribuindo para a redu&ccedil;&atilde;o da viol&ecirc;ncia. Mas acabam voltando para as ruas - e muitas delas v&atilde;o para as m&atilde;os de traficantes de armas que abastecem o mundo do crime.</p> </div> <div align="justify"> <p>A revista &Eacute;POCA, que circula esta semana, ouviu militares que conhecem por dentro o funcionamento da m&aacute;fia, que teria a participa&ccedil;&atilde;o tamb&eacute;m de oficiais. Dentro do Ex&eacute;rcito, o esquema tem como endere&ccedil;o as se&ccedil;&otilde;es do SFPC, sigla que denomina o Servi&ccedil;o de Fiscaliza&ccedil;&atilde;o de Produtos Controlados. Espalhadas por todo o pa&iacute;s, essas se&ccedil;&otilde;es t&ecirc;m a tarefa de orientar, controlar e fiscalizar desde a fabrica&ccedil;&atilde;o at&eacute; o transporte de armas, muni&ccedil;&otilde;es e explosivos em geral - atribui&ccedil;&otilde;es exclusivas do Ex&eacute;rcito.</p> <p>O desvio se d&aacute; em duas frentes. Uma delas &eacute; a retirada, pura e simples, de armas e muni&ccedil;&otilde;es guardadas nos dep&oacute;sitos para onde s&atilde;o destinados os carregamentos de armas recolhidas nas campanhas de desarmamento. A outra se d&aacute; de maneira um pouco mais sofisticada. Antes de registrar em computador as armas que chegam ao setor, e que deveriam ser igualmente destru&iacute;das, os militares envolvidos simulam doa&ccedil;&otilde;es a supostos colecionadores, autorizados pelo pr&oacute;prio Ex&eacute;rcito. &Eacute; uma maneira de fazer com que a arma volte a circular, inclusive com ares de legalidade. O colecionador pode repassar a arma, em seguida, a terceiros. H&aacute; casos em que os colecionadores que recebem as armas s&atilde;o militares. &quot;O destino final dessas armas a gente sabe bem. N&atilde;o precisa ir muito longe para descobrir como chegam armas para os traficantes nos morros do Rio de Janeiro&quot;, afirma um dos militares entrevistados por &Eacute;POCA.</p> </div> <div align="justify"> <p>H&aacute; quase tr&ecirc;s d&eacute;cadas no Ex&eacute;rcito, o subtenente Amorim trabalhou durante dois anos no SFPC da 11&ordf;Regi&atilde;o Militar, que tem sede em Bras&iacute;lia e jurisdi&ccedil;&atilde;o sobre Goi&aacute;s, Tocantins e o Tri&acirc;ngulo Mineiro, al&eacute;m do Distrito Federal. Seu envolvimento com o desvio de armas foi revelado durante uma inspe&ccedil;&atilde;o interna feita pelo Ex&eacute;rcito em Goi&acirc;nia, no ano passado. O subtenente recebera a informa&ccedil;&atilde;o de que, no SFPC goiano, havia um lote de armas entregue pela fam&iacute;lia de um capit&atilde;o aposentado rec&eacute;m-falecido. Com a ajuda de um colega da se&ccedil;&atilde;o, Amorim registrou em seu nome uma suposta doa&ccedil;&atilde;o das armas. Para isso, usou de uma das artimanhas do esquema: ele pr&oacute;prio tinha seu registro de colecionador. Constatada a fraude, o subtenente foi, em seguida, afastado do SFPC. Estava exercendo fun&ccedil;&otilde;es burocr&aacute;ticas na se&ccedil;&atilde;o de sa&uacute;de do Comando Militar do Planalto, que funciona no mesmo pr&eacute;dio do comando do Ex&eacute;rcito.</p> <p><strong>&quot;Ganhando dinheiro extra com o crime&quot;</strong></p> </div> <div align="justify"> <p>A descoberta do desvio originou a abertura de um inqu&eacute;rito policial militar. De pronto, a investiga&ccedil;&atilde;o passou a mirar n&atilde;o apenas no subtenente Amorim, mas tamb&eacute;m no colega de Goi&aacute;s que lhe repassou as armas, o subtenente Piccoli. &quot;&Eacute; a tenta&ccedil;&atilde;o do dinheiro f&aacute;cil&quot;, diz um general que acompanha o desenrolar da investiga&ccedil;&atilde;o. &quot;O sujeito &agrave;s vezes est&aacute; endividado e v&ecirc; uma oportunidade de ganhar um dinheiro extra cometendo esse tipo de crime.&quot; Parecia ser exatamente esse o caso do subte-nente Amorim. Ele acumulava d&iacute;vidas na pra&ccedil;a. Estava com o nome inscrito nos registros de cheques devolvidos por falta de fundos. A investiga&ccedil;&atilde;o interna do Ex&eacute;rcito mostrou que o esquema de desvio de armas lhe rendeu um complemento na renda. &quot;Temos elementos que mostram que, s&oacute; nos &uacute;ltimos meses, ele vendeu R$ 14 mil em armas desviadas&quot;, afirma o general. O soldo de um subtenente &eacute; de R$ 4.500 brutos.</p> <p>Origin&aacute;rio da arma de cavalaria e pernambucano de nascimento, o subtenente Amorim, ca-sado, pai de tr&ecirc;s filhos, carregava no uniforme o brev&ecirc; de paraquedista, prova de que passou pelos piores testes de resist&ecirc;ncia f&iacute;sica e ps&iacute;quica da caserna. Mas a investiga&ccedil;&atilde;o se transformou num fardo pesado demais para ele, que passou a enfrentar um conflito pessoal, segundo o depoimento de amigos. Por um lado, Amorim j&aacute; tinha percebido que o inqu&eacute;rito militar o havia empare-dado. Seu emprego no Ex&eacute;rcito estava a pr&ecirc;mio. Por outro, movido por um dever de lealdade, Amorim n&atilde;o queria delatar outros militares e civis envolvidos nem se submeter ao risco de enredar oficiais na investiga&ccedil;&atilde;o. Segundo pessoas pr&oacute;ximas a ele, esse era o caminho que lhe restava caso quisesse evitar puni&ccedil;&otilde;es maiores. Dias antes de se suicidar, o subte-nente conversou sobre o assunto com amigos civis e militares. Mostrou documentos e c&oacute;pias de e-mails que, em sua vis&atilde;o, poderiam ser seu resguardo. A alguns desses amigos, o subtenente entregou c&oacute;pia dos pap&eacute;is.</p> </div> <div align="justify">&nbsp;</div> <div align="justify"><strong>General estaria abafando investiga&ccedil;&otilde;es</strong></div> <div align="justify"> <p>&Eacute;POCA teve acesso ao material. Entre os e-mails, h&aacute; alguns que, al&eacute;m de explicitar a participa&ccedil;&atilde;o do subtenente no esquema, indicam nomes de outros envolvidos. Um dos interlocutores frequentes do subtenente &eacute; um colega de farda identificado como Andr&eacute; Gama, que havia trabalhado no SFPC num passado recente. Nas mensagens, Gama demonstra conhecer bem o funcionamento do esquema. Em dezembro do ano passado, o subtenente Amorim escreveu ao amigo. &quot;Estou passando por maus momentos&quot;, dizia, ao informar o amigo da exist&ecirc;ncia da investiga&ccedil;&atilde;o. Na resposta, Gama sugeria que Amorim partisse para o contra-ataque. &quot;Lembra do caso que [sic] a Pol&iacute;cia Federal apreendeu mais de 6 mil (seis mil) cartuchos com um estrangeiro e envolvia um coronel da reserva e um general?&quot;, escreveu ele. &quot;O caso era para ser enviado para a auditoria militar etc., mas o general Davi n&atilde;o quis enviar&quot;, emendou.</p> <p>A ideia era contra-atacar com o argumento de que, quando as irregularidades envolvem oficiais de alta patente, as investiga&ccedil;&otilde;es n&atilde;o prosseguem. O general Davi a que o militar se refere &eacute; Paulo Davi de Barros Lima, comandante da 11a Regi&atilde;o Militar, a quem o subtenente estava subordinado. O epis&oacute;dio em quest&atilde;o se deu em 2007. Diz respeito &agrave; importa&ccedil;&atilde;o de muni&ccedil;&otilde;es, opera&ccedil;&atilde;o que tamb&eacute;m est&aacute; submetida ao crivo do SFPC. Em nota, o Ex&eacute;rcito informou que o general Davi n&atilde;o levou o caso adiante porque a Pol&iacute;cia Federal teria conclu&iacute;do depois que n&atilde;o houve irregularidade na importa&ccedil;&atilde;o das muni&ccedil;&otilde;es.</p> </div> <div align="justify">As mensagens tamb&eacute;m revelam liga&ccedil;&otilde;es do esquema com empresas que vendem e transportam armamentos. Uma delas &eacute; a Kammel, uma casa de produtos para ca&ccedil;a e pesca de Taguatinga, cidade-sat&eacute;lite de Bras&iacute;lia, que tamb&eacute;m vende armas e muni&ccedil;&otilde;es. Em tom de camaradagem, o subtenente trocava e-mails com o dono da empresa, Ismail Kamel Abdul Hak, que lhe repassava incumb&ecirc;ncias a serem resolvidas na se&ccedil;&atilde;o de produtos controlados do Ex&eacute;rcito, como libera&ccedil;&otilde;es para transporte de armamentos. &quot;N&atilde;o tive liga&ccedil;&atilde;o esp&uacute;ria com quem quer que seja. Minha loja &eacute; autorizada pelo <font size="2">Ex&eacute;rcito. O Amorim era um amigo e era muito honesto&quot;, diz Hak. Epoca</font></div>
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