Nêga Mazé fala da sua luta na militância e reivindica políticas públicas para as mulheres
A entrevista da semana é com Maria José Alves do Nascimento, mais conhecida como Nêga Mazé, forte liderança comunitária e defensora do direito das mulheres em Picos.
<div align="justify"><strong>Portal O Povo: Há quanto tempo a senhora vem desenvolvendo esse trabalho comunitário?</strong></div>
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<div align="justify">Eu iniciei no trabalho comunitário no final da década de 70, como liderança no movimento de igreja na Pastoral Social da Diocese foi quando comecei a tentar no meu bairro organizar a comunidade para criar a associação de moradores. A gente incentivou para que fossem criadas em vários bairros de Picos, e chegamos até Teresina com a preocupação de não saber como trabalhar com essas associações, nessa altura a cidade 9 delas, quando houve a idéia de se juntar as associações do Piauí inteiro, nascendo a FAMC – Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí.</div>
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<div align="justify"><strong>Portal O Povo: Quais foram as associações, movimentos e novidades trazidas com sua ajuda para Picos nesses anos de militância?</strong></div>
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<div align="justify">Nesses anos passei pelo movimento de Igreja, depois fui para o movimento comunitário da associação de moradores, em seguida foi surgindo o movimento negro que inclusive tive a felicidade de estar colaborando como coordenadora da assembléia geral para que fossem criados os movimentos UNEGRO e a OCN. Quando você entra em um movimento vai descobrindo a necessidade de se especificar a luta por categoria e assim os movimentos vão surgindo e cada qual vai pegando as suas bandeiras específicas, eu até gosto de dizer que a FAMC teve esse incentivo para que surgissem outros movimentos, como o de mulher, criança e adolescente. Depois de passar pelo Conselho Tutelar, onde fui a conselheira mais eleita em Picos, depois priorizei movimento de mulher considerando que havia uma necessidade muito grande em se combater a violência doméstica, surgindo a luta pela delegacia da mulher, outra conquista. Mas a liderança comunitária não pode se dar o luxo de priorizar um movimento.</div>
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<div align="justify"><strong>Portal O Povo: Nesses dez anos frete ao movimento a favor da mulher, quais foram os grandes embates e quais foram as grandes conquistas?</strong></div>
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<div align="justify">O embate maior que a gente sentiu foi a criação da Delegacia da Mulher na lei Maria da Penha que foi uma grande mobilização no Brasil inteiro pela sua aprovação, e no momento o grande embate é a aplicação dessa lei. Para a devida aplicação não é necessário só a delegacia, mas os juizados especiais, o SOS Mulher, uma equipe multidisciplinar, uma casa de apoio para as vítimas da violência, estas são todas essas dificuldades que temos pela frente para implementarmos de fato a lei Maria da Penha. Mas não posso deixar de falar de outro grande problema, o número crescente de estupros a menores e adolescentes, onde não está sendo decretada a prisão preventiva desses elementos que cometem o estupro, então acho que a sociedade precisa se organizar mais para que possamos combater isso.</div>
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<div align="justify"><strong>Portal O Povo: Recentemente um membro da Polícia Militar do Piauí comentou em alguns meios de comunicação que a lei Maria da Penha existe, mas não está sendo cumprida, quando a policia chega ao local para efetuar a prisão do companheiro agressor a esposa retira a queixa. O que está faltando?</strong></div>
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<div align="justify">Se a lei existe, ela deve ser aplicada, se a polícia chega e pega em flagrante sua grande obrigação é obedecer à lei, prender.</div>
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<div align="justify"><strong>Portal O Povo: E nos casos em que a polícia não faz o flagrante, e a mulher acaba retirando a queixa por não desejar que o seu companheiro, mesmo agressor, seja preso?</strong></div>
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<div align="justify">Falta ainda conscientização para muitas mulheres, mas isso só acontece porque a mesma se sente sem apoio, ela na tem uma Casa Abrigo onde possa ficar com seus filhos, ela não tem uma política de emprego e renda que possa apoiá-la, a mulher não tem nada e é vulnerável na mão dos batedores, porque a única proteção que tem é na mão do batedor. Então é bom que a sociedade acorde e ao invés de ficar usando desculpas para não prender batedor, veja a necessidade de se criar proteção a mulher. Como é que a mulher pode querer prender seu esposo se a polícia prende hoje e a justiça solta amanhã, sem falar que de cem se prende um. Então como é que mulher pode estar segura em uma situação dessas? Se não tem juizados especiais que priorizem seu caso para que o processo ande? E quem vai dar comida para as crianças? Ou seja, uma série de situações envolve a justiça, o poder público e a pouca conscientização que faz com que a mulher retire a queixa.</div>
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<div align="justify"><strong>Portal O Povo: A senhora passou boa parte da sua vida defendendo os direitos das pessoas, hoje está na academia cursando Direito, de onde partiu esse desejo?</strong></div>
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<div align="justify">Às vezes fico preocupada considerando o avanço da minha idade, mas quero dar esse estímulo às pessoas de que enquanto a gente estiver vivo, temos que estar lutando. O meu estímulo veio da necessidade e da ignorância da nossa comunidade, a dificuldade em entender os seus direitos, saber o que o “Doutor” fala. Então espero que não só eu, mas essa nova geração que está saindo dos cursos de direito tenham essa responsabilidade com os movimentos sociais, como as questões sociais, para que a gente esteja de fato tirando as nossas leis do papel. Minha preocupação vem de estar junto ao povo sentindo essa necessidade, eu não tenho muito tempo, mas o pouco que tenho quero usar para entender as coisas e poder ajudar na comunidade.</div>
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<div align="justify"><strong>Portal O Povo: Como a senhora avalia atualmente os movimentos comunitários na cidade de Picos?</strong></div>
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<div align="justify">Nós estamos com um problema na cidade de Picos, e acho que ele está na própria conjuntura. Nós passamos a vida toda no confronto contra o poder, achando que eles eram nossos adversários, essa era a nossa idéia. Agora que o Partido dos Trabalhadores ganhou, e nós chegamos ao poder foi um impacto, então houve uma parada porque o movimento se assustou, estamos nos levantando e achando um caminho pra gente andar dentro do nosso próprio governo.</div>
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<div align="justify"><strong>Portal O Povo: Momento aberto para mais algum comentário...</strong></div>
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<p>Não me arrependo e nem me arrependi, é um trabalho comunitário, é um trabalho voluntário e em termos de bens materiais não consegui juntar nada. Mas consegui juntar muitas amizades, a credibilidade e me tornar uma pessoa popular e amada pelas pessoas de Picos, elas acreditam em mim e eu acredito nessas pessoas e isso me faz sentir muito bem, se fosse pra começar de novo, eu começaria novamente.</p>
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